Transitar entre diferentes mundos, presenciais e virtuais, coletivos e individuais, exige um conjunto de habilidades que vão de competências socioemocionais às digitais. Comprometidas em formar estudantes preparados para esses desafios, as escolas têm ampliado olhares e currículos para garantir uma formação mais conectada às demandas atuais.
Colégios como Miguel de Cervantes e Visconde de Porto Seguro promovem ações para desenvolver o letramento digital e o uso consciente da internet e das tecnologias digitais. A pesquisa TIC Kids Online Brasil, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), mostrou que a proporção de usuários de internet aumentou, consideravelmente, entre crianças de 0 a 8 anos. A faixa etária de 0 e 2 anos foi a que mais apresentou evolução e saltou de 9% para 44%, no período de 2015 a 2024. Entre 3 e 5 anos, o crescimento foi de 26% para 71%; já entre o público de 6 e 8 anos, os indicadores foram de 41% para 82%, de acordo com o levantamento.
Pensando nas consequências desta hiperconectividade, o Porto Seguro criou um programa chamado Academia da Família que abre diálogo com os responsáveis pelos alunos por meio de workshops, encontros e palestras com especialistas para debater temas como saúde mental, bem-estar no ambiente familiar, uso consciente das tecnologias, entre outros.
“A troca de boas práticas entre as famílias é um dos grandes ganhos, pois construímos uma rede de apoio mútua. Nosso principal objetivo é sempre intensificar as redes de proteção e apoio às crianças e adolescentes, construindo um espaço de diálogo aberto e seguro”, afirma Meire Nocito, diretora institucional educacional do Colégio Visconde de Porto Seguro.
O colégio, ainda, desenvolve ações de letramento digital e cidadania no ambiente online, conduzidas por educadores das áreas de tecnologia e ciências humanas. Nessas atividades, os alunos têm a oportunidade de refletir e debater temas como privacidade, segurança e ética no mundo digital.
Famílias mais próximas
O Colégio Miguel de Cervantes também tem trazido as famílias para as discussões. O trabalho de educação digital, entretanto, começa com um mapeamento entre os alunos, a partir do 2º ano do Ensino Fundamental, para entender como a internet está sendo utilizada por eles, incluindo quais redes sociais e aplicativos. Com os resultados, as equipes de tecnologia educacional e coordenação pedagógica montam a ação, que inclui palestra e formação sobre cidadania digital envolvendo os responsáveis pelos estudantes.
Denise Tonello, orientadora pedagógica do Ensino Fundamental do Cervantes, conta que o trabalho parte da premissa de mostrar às crianças, geração que pode ser até considerada como “nativos digitais”, mas não têm a maturidade para reconhecer que a internet não é um ambiente seguro. “Nas palestras a gente mostra que conversar com pessoas desconhecidas, como eles fazem na internet, é inseguro. Há uma ingenuidade que é das crianças”, conta ela. Já nos encontros com as famílias, a orientação é para que os adultos não permitam que as crianças tenham acesso às redes sociais. “A gente diz para eles que permitir esse uso é como abrir a porta de casa e colocar o filho no meio da rua”, compara.
Além dessa iniciativa pontual, Denise explica que a educação digital integra a perspectiva global do projeto pedagógico da escola, com orientações e reflexões contínuas. “Se não houver este olhar, perdemos uma boa parte do que entendemos por aprendizagem por meio da convivência e da ética, e isso envolve o ambiente digital.”
Educação midiática e educomunicação
Outro pilar importante para garantir a formação integral dos estudantes é a educação midiática, que estimula habilidades como o pensamento crítico. Esses assuntos são discutidos em instâncias de escuta e diálogo compostas pela comunidade escolar do Colégio Porto Seguro, como os comitês de alunos, de pais e de professores, onde há troca de ideias que depois são apresentadas para ser incorporadas ao projeto pedagógico da escola e fortalecer a aprendizagem dos alunos.
Escuta, protagonismo estudantil e educomunicação também são os destaques do projeto pedagógico da Escola Municipal (EMEF) Paulo Duarte, localizada na Zona Leste de São Paulo. A unidade participa do projeto Imprensa Jovem, que engloba outras escolas da rede municipal que prevê desenvolver competências socioemocionais e a educação midiática.
Na Paulo Duarte, os alunos dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental têm aulas semanais de conteúdos como produção de fotografia, vídeo, design com imagens, combate a fake news, além da possibilidade de participar de eventos da cidade fazendo “coberturas jornalísticas”.
“O estudante precisa estar atento e crítico ao seu dia a dia, saber discernir o que é certo ou errado, por isso trabalhamos com as competências socioemocionais em todo o momento. Queremos uma geração que saiba lidar com as frustrações, mas seja esperançosa, por isso nosso objetivo é fazer a mediação para que eles sejam autônomos para levar sua voz e ideias para longe”, conta Regina Maria Nara, professora e orientadora de educação digital da EMEF Paulo Duarte.
Competências socioemocionais garantem formação integral
Mais do que saber utilizar as ferramentas digitais e se apropriar de toda a cultura que as cercam, como ética e segurança, é fundamental que crianças e adolescentes tenham oportunidade de desenvolver competências socioemocionais durante sua trajetória escolar. Entretanto, educadores apontam que é mais eficaz trabalhá-las de forma interdisciplinar e transversal dentro do currículo e não somente em oficinas ou atividades isoladas.
Habilidades de função executiva, desenvolvidas desde a infância auxiliam os estudantes a se posicionarem e interagirem de forma adequada em múltiplos contextos, sejam eles ambientes físicos ou virtuais, coletivos ou individuais, segundo Kátia Chedid, head de governança educacional da Fundação Bradesco.
Entre esses saberes, Kátia destaca o “a capacidade de controlar os impulsos e tomar decisões de forma consciente e deliberada, evitando reações impulsivas e inadequadas; a habilidade de adaptar-se a diferentes situações, perspectivas e demandas; o planejamento e a organização.” “Existem competências que contribuem significativamente para o desenvolvimento de relações saudáveis e equilibradas, como empatia, inteligência emocional, resiliência, pensamento crítico e o conhecimento para utilizar as tecnologias de forma segura, ética e responsável, compreendendo os impactos das ações que são realizadas no online”, diz.